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  • Foto do escritorMarcela Chanan

Para pensar a sala referência na educação infantil

Por Marcela Chanan



Em uma publicação recente, me senti provocada a repensar os materiais e/ou brinquedos na educação infantil, mas uma outra questão fundamental me trouxe inquietação: a organização, a estética, o mobiliário e a funcionalidade (dentre outros aspectos) que a sala referência precisa oferecer para que as aprendizagens aconteçam com qualidade. A sala é um dos espaços de bem-estar onde bebês e crianças vivem suas experiências. Sala referência? Sim, não existe mais a lógica de aula na educação infantil, então não é sala de aula.


O espaço deve ser parte do projeto pedagógico: estudado e projetado. Saiba que o espaço educa e é nele que a memória busca o que é significativo, o que fica marcado em nossas lembranças. A partir disso, me pergunto:


Como compor uma sala referência que atenda as necessidades de bebês e crianças?


Vou tratar aqui de aspectos que estão ao alcance do(a) professor(a) realizar mudanças e enriquecer o ambiente, sei que existem muitas questões arquitetônicas que são mais burocráticas e exigem um envolvimento muito maior de toda a equipe pedagógica e dos orgãos que ditam critérios sobre as estruturas. Sei que temos a problemática do tamanho das salas para a quantidade de bebês e crianças, mas mesmo com essas dificuldades, podemos repensar o espaço na tentativa de oferecer o melhor para os bebês e as crianças.


Todo o espaço escolar me interessa, mas escolhi o recorte da sala referência, pois é um lugar mais intímo, de pertencimento, de brincar, explorar, descobrir, construir, expressar, investigar e em alguns casos até de dormir. Um lugar que acolhe bebês e crianças diariamente e precisa ser pensado com intencionalidade - como já disse em outras publicações, todas as escolhas têm um fundamento (ético, político e estético), não devemos aceitar ou reproduzir a resposta "porque as crianças gostam".


Uma educação contemporânea pressupõe ressignificar a concepção de criança, de aprendizagem, do que é ser professor(a) de educação infantil e, consequentemente, colocar em prática um novo olhar para a concepção de espaço e ambiente. Na verdade nada disso é tão novo, mas muitas escolas continuam estagnadas. Portanto, trago alguns aspectos ou provocações importantes para iniciar essa reflexão:

  • a sala referência de educação infantil precisa de mesa e cadeira para professor(a)?

Se por acaso você fica sentado(a) em uma cadeira com mesa, enquanto as crianças estão ativas, há algo de errado, pois o professor precisa estar por perto (presente, inteiro, atento, disponível), transitar pelo ambiente, observar, registrar os processos e fazer as intervenções quando necessárias. Se a mesa serve para apoiar agendas ou materiais não precisa ser uma mesa do professor, pode ser um armário ou uma prateleira (nos Indicadores de Qualidade não há nenhum item que fale de materiais e mobiliários para responder aos interesses e necessidades dos adultos na sala referência).

  • a sala referência de educação infantil precisa ter a quantidade de mesas e cadeiras para todas as crianças?

Se por acaso você respondeu que sim é preciso repensar esse olhar, pois reforça uma educação homogênea onde todas as crianças fazem a mesma proposta ao mesmo tempo. Já avançamos e temos muitos exemplos de salas organizadas por contextos de aprendizagem, onde as crianças se organizam de acordo com o interesse. E que não são os cantos, pois é uma prática centrada na criança.

  • a sala referência de educação infantil precisa ter armários grandes que ocupam o espaço da sala (que poderia ser para as crianças) para guardar material do(a) professor(a)?

Fico a pensar que tanto de material é esse que precisa ficar fechado em um armário? Se for reposição pode ficar em outro lugar (por exemplo, caixas em uma prateleira mais alta), os materiais para as crianças precisam estar disponíveis e ao alcance delas.

  • a sala referência de educação infantil precisa de decoração?

Se na sala ainda existem personagens, móbiles, cores fortes, plástico adesivo estampado e tantos outros enfeites, lembre-se que a escola não é um buffet, é um espaço de EDUCAÇÃO. A sala precisa ser habitada com as crianças, suas pesquisas e criações. Confira uma publicação especialmente sobre isso aqui.


Os espaços, as possibilidades e as organizações podem e devem ser diversas, não acredito em uma solução milagrosa. Afinal temos o ideal, o real e o possível. O convite é refletir e recriar o ambiente!


Diversas áreas se dedicam a pensar os espaços: Arquitetura, Design, Comunicação Visual, Psicologia, Educação, etc. Há diferentes estilos, com intenções distintas, mas sempre a partir de estudos, teorias e concepções.


Valorizo espaços que conseguem trazer a sua essência, sua identidade, assim como não existe nenhum PPP - Projeto Político Pedagógico, igual ao outro, acredito que os espaços não devam ser homogêneos, ou seja, iguais em todas as escolas. Sinto uma tendência forte de cópias também na criação dos espaços, isso é o contrário do que proponho aqui.


É importante pontuar que renovar o ambiente e continuar com a prática pedagógica equivocada não vai gerar um trabalho de qualidade. A concepção (criança e aprendizagem) do professor(a) precisa caminhar junto com a concepção do espaço. É muito comum que as escolas renovem seus espaços, mas a formação dos professores(as) não acompanham essa renovação, você entra na escola é maravilhosa, mas quando começa a ver as práticas...não há diálogo entre as concepções.


As pedagogias da infância de Montessori e Reggio Emilia (dentre outras) são duas inspirações que tratam da importância dos espaços educativos. Gosto de ambientes minimalistas, equilibrados, limpos visualmente, talvez influenciada pelos próprios ambientes onde trabalhei e por ter estudado comunicação visual antes da pedagogia. Vejo a beleza no simples, no que faz sentido, nos detalhes, no natural, acredito que com o ambiente menos confuso possível, as crianças se mantém envolvidas, concentradas, tranquilas, livres e ativas.


Imagens por Marcela Chanan durante visita às escolas em Reggio Emilia 2013.

Ao trazer essas referências não busco um ambiente igual, mas contribuições, ideias e questionamentos. Penso que é possível fazer um orçamento e verificar com a gestão se há verba disponível, refletir sobre o que é extremamente necessário sem possibilidade de adaptar com outras materialidades, buscar outras escolas como referência, pesquisar e realizar as mudanças dentro do possível. Eu prefiro uma prateleira de caixa de feira (na cor natural), do que um prateleira velha e cheia de plástico adesivo. É disso que estou falando! Possibilidades!


Quando há interesse, abertura, estudo, diálogo e dedicação em grupo ou mesmo parceria entre professores(as) de sala, há possibilidade de uma construção coletiva, que pode começar em uma sala e se expandir. Inclusive com a participação das famílias e a escuta das crianças, sempre a partir das necessidades das crianças, com muito estudo e observação.


O que será que comunicamos aos bebês e as crianças com a preparação do ambiente?


Ao preparar um espaço que atende as necessidades de bebês e crianças dizemos sem palavras por meio do ambiente que há limites claros e elas podem se mover com liberdade, explorar, escolher o que querem fazer sem restrições. No caso dos móveis, por exemplo, os bebês podem entrar e sair, subir descer com autonomia. Considerando que a melhor opção são os móveis de madeira (cor natural), nada de plástico e espumados, eles dão a noção falsa de segurança em relação ao movimento.


Um espaço cheio de tatame de EVA comunica a criança que o chão é perigoso/sujo, se o chão é de madeira ou piso vinílico, não é gelado como um piso frio, não precisa de tatame. Eu mesma tenho usado na minha sala para demarcar o afastamento das crianças (situação de pandemia), mas me incomoda muito, estou pensando como transformar essa realidade, pois desde que comecei na jornada presencial venho fazendo pequenas mudanças na sala, é um processo que acontece aos poucos.

*Imagens dos espaços do CEI Direto Jardim Santa Maria - SP


Pense na possibilidade de usar tapetes (tecido, malha, crochê etc) ao invés de tatames de EVA e se não tiver jeito que sejam pelo menos todos da mesma cor, de preferência neutra (marron, bege, cinza), mesas precisam ter a superfície clara, não dá para ser colorida, interfere muito.


Como nos ensina a abordagem Reggio Emilia o espaço é educador, é nosso parceiro então deve ser bem pensado para nos apoiar no cotidiano. Um espaço com uma boa composição aliado a um(a) professor(a) comprometido(a) abre muitas possibilidades para a prática pedagógica, ao contrário do controle e das crianças ficarem sempre esperando qual é a próxima atividade, reféns do adulto.


Na educação infantil estamos preparando um espaço que favoreça o desenvolvimento e as aprendizagens de bebês e crianças. Considerando os princípios éticos, estéticos e políticos (DCNEI, 2010), a sala referência deve ser um espaço que:

  • promove a liberdade de escolhas (materiais, brinquedos e contexto) e de corpos em movimento;

  • desperte criatividade, sensibilidade e ludicidade (lembrando que é preciso rever este termo, ludicidade não é tudo colorido, cheio de formas geométricas e personagens);

  • contemple as múltiplas linguagens;

  • apresente a diversidade de manifestações artísticas e culturais, descolonizando o olhar (muitas vezes, as escolas apresentam apenas referências eurocêntricas),

  • acolhe as singularidades e os ritmos;

  • promove autonomia, solidariedade, responsabilidade e respeito ao bem comum (tenha cestas com paninho de mesa, de chão, esponja, escovinha, kit de pá e vassoura para as crianças ajudarem com a limpeza do ambiente, devemos ensinar o cuidado com o ambiente, os materiais e as pessoas);

  • contemple os interesses, desejos e curiosidades de bebês e crianças,

  • inclui a participação de bebês (pela observação) e crianças na tomada de decisões referentes ao próprio espaço;

  • promove a escuta, a construção da identidade, a autoestima e a convivência em grupo.

Veja a complexidade de pensar o espaço para educação infantil!


Na prática isso quer dizer que:

  • os mobiliários precisam ser baixos (madeira e cor natural), acessíveis aos bebês e crianças, para que enxerguem e alcancem o que desejam com autonomia (bancos, estantes, mesas, etc);

  • podemos pensar estratégias como prateleiras mais altas para guardar materiais que não são usados no cotidiano, são para revezamento, contextos específicos ou reposição;

  • as paredes devem ser habitadas por desenhos, pinturas, colagens, modelagens, fotos, imagens (reais) que contem os processos educativos que estão vivenciando;

  • precisa haver espaço livre para movimentação dos corpos, uma ou no máximo duas mesas com cadeiras, a depender do tamanho da sala;

  • pode haver espelhos na composição do espaço, não precisa ser aquela parede de espelho enorme, pode ser alguns espelhos pendurados (cuidado com alguns espelhos que distorcem a imagem) e prateleiras com livros de qualidade ao alcance de bebês e crianças, tapete e almofada;

  • quantidade suficiente de material para todos (considerando cada contexto, não é tudo para todos), cuidado com o excesso de materiais;

  • usar imagens reais (por exemplo, uma foto impressa de um coelho de verdade e não um personagem de coelho ou um desenho feito pelo adulto, isso se tiver dentro de um projeto ou investigação e não para decorar a sala)

  • materiais como projetor, retroprojetor, aparelho de som, câmera fotográfica devem parte das experiências dos bebês e crianças. Não acredito no uso da televisão para passar vídeos sem finalidade educativa, ou seja, para passar o tempo. O vídeo precisa fazer parte de um contexto de investigação e ainda devemos oferecer/ampliar e não repetir o que as crianças já tem acesso fora da escola;

  • que os habitantes da sala sejam envolvidos no cuidado e organização do espaço;

  • mobiliários, prateleiras e murais velhos, cheios de adesivo/tecido/encapados com plástico para esconder a degradação devem ser trocados por prateleiras e estantes baixas de madeira e no caso do mural reformar. Afinal que estética é essa que estamos oferecendo a bebês e crianças? Como educar para o cuidado se o espaço não reflete cuidado e sim uma gambiarra?

  • as caixas organizadoras precisam ser transparentes para promover a visibilidade do que tem dentro;

  • os materiais nas prateleiras devem ser oferecidos em cestas e recipientes transparentes ou de material natural como cestos, bandejas de madeira e outros recursos que deem visibilidade aos materiais;

  • os materiais nas prateleiras também precisam ser pensados em relação a quantidade de coisas ofertadas (menos é mais);

  • os contextos de aprendizagem precisam ser desafiadores, possibilitar descobertas, pesquisas, autonomia e interações. Criar diferentes espaços dentro da própria sala para construir, pintar, desenhar, jogar, brincar com tecidos, apreciar livros etc;

  • a observação e a escuta tem o papel de nos ajudar a alimentar os percursos, os contextos não podem ficar estáticos o ano todo;

  • a funcionalidade do espaço é extremamente importante para sala referência, tanto para recriar os espaços, quanto para instituições que usam a mesma sala para dormir e precisam montar e desmontar o ambiente (rodinhas nos mobiliários ajudam muito);

  • as cores influenciam no comportamento dos pequenos, é preciso pensá-las com intencionalidade considerando os estudos sobre as cores, leia mais aqui ;

  • transformar o ambiente altera comportamentos, cria possibilidades de estar no coletivo e no individual, fortalece o protagonismo infantil e descentraliza a figura do adulto;

  • podemos trazer plantas para o espaço interno dialogar com o externo, natureza é vida, conexão;

  • precisamos garantir conforto físico e psíquico;

  • consideramos também a segurança (sem superproteção), a limpeza e a conservação do ambiente e dos materiais (porém uma escola de educação infantil não é higienista e a limpeza não pode sobrepor as experiências das crianças);

  • dentre tantos aspectos a se pensar esses seriam mais fáceis de resolver do que mexer em uma estrutura, já melhora bastante a qualidade das experiências, mas não quer dizer que não devemos cobrar melhorias.


Refletir sobre tudo isso já é um bom começo!


*Todos os direitos autorais das imagens e texto reservados para Marcela Chanan. É proibida sua cópia sem autorização prévia. O compartilhamento da publicação na íntegra diretamente do blog (link e via redes sociais) é livre. E para impressão é obrigatório colocar a referência.


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Saiba mais

  • Livro: Crianças, espaços, relações - como projetar ambientes para educação infantil.

  • Brinquedos e móveis de madeira www.ateliequeroquero.com.br

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