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Planejamento na educação infantil: autoria, intencionalidade e continuidade.

  • Foto do escritor: Marcela Chanan
    Marcela Chanan
  • 23 de jul.
  • 19 min de leitura

Atualizado: 26 de jul.

Por Marcela Chanan


Vou começar deixando claro que a perspectiva de planejamento que reflito aqui é fundamentada em uma pedagogia emancipatória, ou seja, não é mais da mesma forma como planejávamos preenchendo uma tabela com dias da semana e horários a seguir, sem a escuta infantil, a partir apenas da perspectiva adulta com uma atividade diferente a cada dia, de maneira descontextualizada, fragmentada e com foco na produtividade, nos portfólios cheios. Tudo planejado passo-a-passo desde o começo do ano, usado por anos e anos, sendo apenas aplicados ou executados, entregue semanalmente como forma de controle institucional. O convite desse texto é um despertar, uma provocação para um novo olhar, uma nova forma de compreender a educação infantil, o papel docente e da coordenação pedagógica. Portanto, não é um 'como fazer', nessa perspectiva não há um modelo único.


Um bom planejamento coloca os bebês e as crianças na centralidade do processo educativo, garante a articulação das concepções e orientações dos documentos nacionais e municipais da Educação Infantil, aliado a projeção das intenções docentes somadas ao patrimônio cultural, científico, artístico, ambiental e tecnológico, a partir da observação e da escuta do grupo. Um planejamento para e com os bebês e as crianças em busca de ampliar suas experiências. No entanto, o docente precisa ter uma postura pesquisadora, curiosa, ousada e criativa; da coordenação pedagógica se exige saberes o suficiente para contribuir com essa construção. Não tem como padronizar, criar exigências sem sentido e fundamento.

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Essa imagem acima diz um pouco da minha organização conceitual sobre o planejamento de experiências que estou vivendo esse ano com um tema específico. Não vou descrever aqui todo processo, porque cada docente precisa criar a sua forma de planejar, testar e descobrir o que funciona melhor para si: um texto, um mapa mental, uma tabela (distante da concepção de semanário) ou outras ferramentas/instrumentos.


Vale dizer que é preciso questionar e analisar a situação, caso atue em uma instituição que planeja na perspectiva de semanário e não está envolvida em nenhum movimento de mudança. O planejamento é um documento que revela a teoria e a prática, então se há mudança na estrutura física da instituição, o planejamento deve refletir essa mudança de concepção, ou ao contrário se os conceitos e concepções passam por um processo de estudo e reflexão voltado para a renovação, deve-se também renovar-se a estrutura. Coerência, profundidade, seriedade nos processos de transformação. Vejo muitas experiências superficiais que demonstram estar mais preocupadas em passar uma imagem 'inovadora', mascarar as fragilidades e a rigidez no que diz respeito em promover a autonomia, a autoria, o protagonismo e a liberdade aos docentes (em relação ao planejamento).


Arriscar-se a fazer um outro tipo de planejamento que não segue receitas, achismos e nem é orientado por uma prática esvaziada de reflexão, é colocar-se em um movimento de busca por sentido. Planejar não pode ser burocrático, não pode ser uma lista de atividades, tão pouco uma cópia do Instagram! O planejamento é um registro vivo que representa a intenção docente (o fundamento, como uma justificativa do porque do seu trabalho), os modos de organização (materiais, espaços, tempo, relações), as escolhas e as narrativas de aprendizagem do grupo, seus percursos, mudanças e potencialidades. É um documento para ser lido pela coordenação pedagógica como forma de acompanhar o trabalho docente e fazer seus apontamentos dialogando com os momentos de formação. Pode estar centralizado todo no diário bordo e/ou contar com instrumentos específicos.


Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante!
Paulo Freire

Trago, brevemente, alguns pontos fundamentais que transformaram minha forma de planejar ao longo desses anos na passagem do semanário para um registro mais reflexivo. Porém, ainda estou experimentando a melhor forma para conseguir fazê-lo no cotidiano, o que é desafiador.


Por onde começar?


O primeiro ponto foi a liberdade e a autonomia para criar o meu percurso, que inclusive continua em processo. O respeito que cada coordenadora pelas escolas que passei teve e tem pelo meu percurso, fez com que essa construção se desenvolva de forma fluida, pois em uma equipe cada professora está em um processo diferente e necessita de provocações diferenciadas.


Planejamento da sala referência


No início do ano letivo, o primeiro planejamento que me deparo é o da sala referência como uma forma de acolher o grupo que chega. É preciso conhecer esse espaço físico e criar os contextos de aprendizagem considerando como podem acontecer as relações, como organizar o ambiente de forma a oferecer as múltiplas linguagens e como dispor os mobiliários e materiais: pensar em ambientes para disponibilizar livros, jogo simbólico, arte, relaxamento, construção, etc...com materiais de madeira, reuso, naturais, alumínio, alguns estruturados (animais, bonecas(os), carros etc) e outros tantos, além da necessidade de mobiliários adequados a faixa etária, assim os bebês e as crianças podem escolher do que e como querem brincar e de forma orgânica vão se organizando em pequenos grupos de acordo com os seus interesses e necessidades. E se nessa mesma sala as crianças dormem, então, é necessário uma reorganização diária, responsabilidade de todas as docentes que atuam na sala referência, tanto no período da manhã, quanto no da tarde para funcionar de forma alinhada, embora tenha as particularidades de cada parceria e período.


Para fazer a planificação/projeção da sala começo por um desenho manual (croqui) e finalizo depois no computador. Esse planejamento é uma prefiguração, pois não conheço o grupo de crianças e suponho conforme minha experiência e conhecimento o que é necessário para compor um ambiente interessante, convidativo e curioso. Primeiro faço o mapeamento do espaço físico (planta baixa) para pensar as possibilidades de criação dos contextos, depois organizo a sala com os mobiliários e materiais. Por fim, acrescento no documento um pequeno texto explicando minhas escolhas a partir de uma fundamentação teórica. Dessa forma, o conceito se mantém, mas a organização se transforma de acordo com a observação e a escuta cotidiana dos bebês e crianças apontam novos caminhos.



Esse (re)planejamento pode acontecer em um tempo longitudinal, ou seja, não funciona na lógica semanal, e sim de acordo com as observações de como o grupo se relaciona com o que está sendo oferecido. Quando há alguma mudança não é no espaço todo de uma vez, é no recorte de um ambiente criado (trocar os livros ou como são dispostos, por exemplo, ampliar aos poucos a acessibilidade aos materiais de desenho, trocar um material que não é utilizado por outro, mudar um mobiliário de lugar ou trocá-lo por outro etc). Compor a sala referência é uma pesquisa que exige olhar atento no cotidiano para mapear os interesses, pesquisas e necessidades do grupo. Portanto, existe um estado de metamorfose, nunca é estático. Precisa ser um espaço para os bebês e as crianças explorarem com autonomia, por isso é bom considerar a quantidade de materiais (que afeta a estética também) e no caso dos mobiliários, precisa garantir um espaço com liberdade de movimento. Cuidado para não deixar o ambiente sobrecarregado (o menos com qualidade pode ser mais). Não deixe de registrar as mudanças e criar um percurso de pesquisa da sua sala referência.

Três momentos diferentes da organização da sala durante o ano
Três momentos diferentes da organização da sala durante o ano

A organização da jornada


Nesse início do ano letivo, recebemos da coordenação pedagógica a organização institucional da jornada que contemplam os horários da alimentação, do uso dos espaços externos e de alguns espaços mais concorridos como biblioteca e ateliê, por exemplo. Não é a antiga linha do tempo e são horários que precisam de diálogo e flexibilidade para criar bem-estar e ritmo, acolhendo as múltiplas temporalidades (adulto, bebê, criança, instituição). Portanto, essa organização do cotidiano é discutível e mutável. Gosto muito desse vídeo do Paulo Fochi, embora tenha outra forma de planejar, é possível dialogar, pois é uma referência nesse assunto e em tantos outros.


Para o mês de fevereiro, planejo como será o acolhimento (lembrando que acolher é uma postura para o ano todo), pensando em estratégias para que os pequenos se sintam bem nos espaços e ambientes, construam um vínculo afetivo de segurança e confiança com a professora de referência; além de conhecerem os espaços da escola e vivenciarem propostas específicas (sessões, ateliês, etc) com convites que despertam o desejo de explorar, experimentar, conhecer e expressar baseadas no conhecimento do desenvolvimento infantil e no currículo.


Nesse momento, gosto de mapear a organização temporal do grupo, observando por algumas semanas como o tempo cronológico e o tempo do bebê ou criança se relacionam, já realizando experimentações para adequar a jornada ao ritmo dos pequenos e não deixar a pressa e a correria presentes, pois causa agitação e limita as ações infantis e a própria ação docente que na pressa não consegue dar a devida atenção, por exemplo, próximo ao momento de saída que normalmente é o horário mais sensível no meu caso. Não consegui escrever no blog ainda sobre a questão do tempo, mas logo o farei. Essa pesquisa de como o grupo se relaciona com o tempo e os espaços contribui muito para adequação da jornada.


Carta de Intenções


Depois de, aproximadamente, 1 mês de observação, escuta e registro escrevo a carta de intenções. O que seria essa carta? É um planejamento anual em formato de texto, produzido de forma autoral (não existe um modelo) que vai nortear todo o trabalho docente com as concepções pedagógicas e a projeção de experiências legitimando as vozes dos bebês e das crianças. É um documento que precisa ser revisitado no meio do ano, pois em sua essência se abre a diversos caminhos, acolhe os imprevistos e se reinventa; afinal são os bebês e as crianças que vão guiando o planejamento contínuo.


Vale dizer que essa forma de planejar também está presente na abordagem Reggio Emilia, não é algo criado do nada, está dentro de uma concepção sobre documentação pedagógica.


Autoria docente , você sabe o que é isso?


É criar o seu próprio trabalho sem copiar da internet, sem copiar de ninguém! Com ética, cuidado e consideração pelo trabalho alheio. Se inspirar é diferente de reproduzir!


Se inspirar é conhecer para ampliar suas ideias e criar com suas próprias palavras e referências, é buscar diversas formas de fazer para ter um repertório de possibilidades, é aproveitar suas experiências e fazer com que seu trabalho reflita a sua essência. E se você se sente limitada com a sua criatividade, está na hora de se desafiar e fazer algo para quebrar essa barreira, todos temos potencial. Nos tempo atuais soube que até a Inteligência Artificial tem sido usada, muito triste um docente não ter a capacidade de fazer um documento que reflete seu trabalho (vale destacar que há uma detector que consegue verificar se o texto foi gerado por IA ou não). É totalmente antiético usá-la em nosso contexto.


Autoria é autenticidade, originalidade, criação! Às vezes querem a referência de tudo que faço! Poxa, tem coisas que eu crio por mim mesma, invento, testo, pesquiso, afinal nem tudo tem referência bibliográfica. Quem é artista, arte educadora, atelierista ou atua com o campo da criatividade sabe que muita coisa surge a partir de uma rede, de um amplo repertório internalizado baseado em tudo que a gente lê, assiste, aprecia, sente, observa, se relaciona etc.; nem sempre é palpável. Até porque a vida não se resume em bibliografia, a vida é feita de vivências com todos os sentidos, tem a ver com tudo que a gente experimenta e consome. Mas não me tire desse contexto, nosso trabalho precisa sim de fundamento, porém no contexto da educação e da arte, a AUTORIA tem um significado e não está para enfeitar os textos e falas.


"O principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram." 
Piaget

"Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros." 
Manoel de Barros

Que você não seja uma executora de propostas sem saber porque está fazendo só porque viu uma ideia no Instagram, comprou um planejamento pronto, vamos sair do achismo e do discurso "as crianças gostam!". Seja Outra! Docentes que sabem explicar sua prática com fundamento tem maior autonomia, acredita e sabe da importância do seu trabalho mesmo quando que lhe dizem o contrário, sabe debater e argumentar sem oprimir o outro. Conhecimento é poder, por isso algumas de nós incomoda tanto.


"Professora e professor autores percebem-se investigadores e intelectuais implicados no processo educativo com o compro misso de apresentar, debater e acolher propostas no coletivo das Unidades de Educação Infantil e Ensino Fundamental para conhecer o contexto das crianças com quem trabalham, para promover seus direitos fundamentais e favorecer a autoria dos bebês e crianças em seu encontro com a cultura." (Currículo Integrador da Infância Paulistana, 2015)


O que é intencionalidade pedagógica?


A intencionalidade não é uma lista de objetivos a serem alcançados. É uma forma de planejar que considera as concepções de criança, de educação infantil e de aprendizagem focada no desenvolvimento infantil e em seus direitos, garantidos nas escolhas do docente de como organizar as propostas que os bebês e as crianças vivenciarão a partir dos espaços, dos materiais, das relações e dos tempos; tendo a observação e a escuta como promotores da participação e do sentido, atendendo aos interesses, pesquisas e necessidades. Mas não basta planejar, organizar e deixar as crianças abandonadas à sua sorte, é preciso saber o que e como observar, atuando como facilitador do processo educativo. A ação docente é imprescindível.


Como formadora penso que uma das questões importantes da construção dessa carta é o docente colocar-se com seriedade e compromisso; criar um texto autoral a partir da pesquisa dos documentos oficiais articulado com seus saberes e fazeres construindo a teoria que vai sustentar suas decisões e criar um percurso (e se cair na cópia novamente, você continua reproduzindo a tal 'preguiça epistemológica'). É preciso aprender a pensar com criticidade! Ler, colocar em prática, refletir sobre como foi, refazer, experimentar, perguntar, se permitir não saber, etc...Não deixe de ler Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire.


Nada é melhor do que fundamentar a própria prática, saber porque faz e ir descobrir as melhores formas de acordo com seu grupo, unir teoria e prática, ter clareza do trabalho que pretende-se realizar, se perguntar e se questionar, sem achismo. Volto a dizer, quanto maior a propriedade sobre seu fazer, mais autonomia e segurança para defender o que acredita. É uma ferramenta de emancipação.


Feita a carta de intenções, (eu e minha parceira) elaboramos as intenções mensais, que são um recorte mais detalhado das linguagens que elegemos para trabalhar e outros aspectos como o trabalho com a autonomia, os cuidados pessoais etc. Essa intenção mensal é um pequeno texto reflexivo que traz o atual processo do grupo, projetando as possíveis aprendizagens e planejando continuamente as propostas cotidianas. Pode ser registrado por meio do diário de bordo ou da forma como cada docente cria de acordo com o que faz sentido (gosto de um caderninho, por exemplo), embora atualmente eu registre num sistema eletrônico. Essa intenção mensal não muda todo mês, ela se mantém ou se transforma de acordo com os caminhos que os bebês e as crianças nos apresentam e sustentam as propostas planejadas. Portanto, meu planejamento contínuo que trata das propostas e do cotidiano, está apoiado nas intenções mensais, baseada na carta de intenções que é anual (revisitada semestralmente).


Planejamento contínuo dos contextos de aprendizagem (do cotidiano e propostas)


O planejamento contínuo contempla as escolhas dos espaços, dos materiais, dos tempos, das relações e do que observar. Gosto de pensar em algumas perguntas para trazer consciência do porque oferecer determinada proposição:


  • O que propor? (qual é o contexto de aprendizagem?)

  • Por que e para que propor? (relevância no desenvolvimento infantil, está na carta de intenções e seus desdobramentos)

  • Em qual momento da jornada? (tempo)

  • Onde? (espaço)

  • Com o quê? (materiais)

  • Com quem ? (relações, organização do grupo)

  • Quais são as possíveis intervenções docentes? (orientações, seu papel educativo)


Essas perguntas tanto podem ser pensadas para um contexto específico como uma proposta de desenho, de pintura etc. e também pode ser adaptada para planejar o que é do cotidiano como a troca de fraldas, a escovação de dentes, a alimentação, as transições, os momentos de entrada e saída; afinal todas as ações são educativas tem uma intencionalidade e um contexto a ser considerado. Essa parte gosto de fazer um mapa mental. Em relação as nomenclaturas utilizadas (sessão, ateliê, território, oficina, laboratório, contexto etc) tem a ver com as teorias envolvidas, cada autor(a) tem suas concepções, não é tudo a mesma coisa, atente-se, verifique com a coordenação qual linha conceitual a instituição segue e estude. Lembrando que o que suas concepções sobre tempo, espaço, materiais e relações estão na carta de intenções. Essas perguntas são uma forma de trazer cada vez mais consciência das suas escolhas e coerência entre teria e prática.


Um percurso se constrói com continuidade


"(...) É preciso interesse e sensibilidade para escutar o outro e configurar um grupo que construirá um percurso de vida coletivo.(...)" (Currículo da Cidade - EI, 2018, pág. 132)


Acredito que seja um desafio para muitos docentes, porque muda a lógica do planejamento engessado, assim como pensar a intencionalidade. A continuidade permite um acompanhamento processual das aprendizagens e desenvolvimento dos bebês e das crianças, formando um percurso significativo tanto coletivo, quanto individual. A continuidade dá sentido as práticas, parte de um olhar atento e pesquisador do docente sobre como os bebês e as crianças estão se relacionando, pesquisando, brincando e interagindo com as propostas, ou seja, como estão de desenvolvendo e aprendendo. E só é possível com o estabelecimento de uma boa relação com o grupo, norteada pela observação, pela escuta e pela documentação dos processos.


"(...) a documentação pedagógica deve acompanhar os bebês e as crianças em seus percursos educativos, pressupondo que observar e registrar os desafios, as conquistas e planejar/projetar as intervenções é imprescindível para a continuidade do trabalho intencional com eles." (Currículo da Cidade - EI, 2018, pág. 149)


A continuidade não é sinônimo de linearidade, pelo contrário, é mais parecido com a conexão de uma rede; os conhecimentos são entrelaçados/articulados, as linguagens não seguem uma hierarquia. Esse é outro ponto que sustenta a continuidade. E para isso, é preciso que o docente olhe para o mundo dessa forma, então aqui há uma grande complexidade. Não separamos mais os conhecimentos em caixinhas, nem a mente do corpo. A vida acontece em sua totalidade, de forma integral (envolvendo a dimensão física, cognitiva, emocional, social e cultural).


Alguns pontos que muitos docentes me trazem durante as formações e eu mesma vivencio nas diferentes escolas das quais trabalho e necessitam de atenção:


Pensar as relações: trabalhar com pequeno ou grande grupo?


Se o trabalho será em grande ou pequeno grupo é um caso a parte, porque depende da realidade de cada território, da quantidade de bebês ou crianças, das possibilidades que o espaço físico possibilita e de apoio disponível. É uma organização complexa, para algumas realidades funcionará para outras não, portanto, se for o caso, cabe a gestão providenciar o apoio para que as professoras possam trabalhar em pequenos grupos.


No caso de pequenos grupos precisamos de apoio antes, durante (na divisão de crianças) e depois. Quem vai ficar com elas enquanto organizamos o contexto de aprendizagem antes e depois ao finalizá-lo? Quem fica com as crianças nesse tempo todo? Quem lava os materiais e guarda?. Cada escola precisa encontrar e avaliar se existe essa possibilidade, não é responsabilidade única da professora, pelo contrário, é necessário que todos assumam as suas responsabilidades em resolver essa situação para que o trabalho possa acontecer.


Se as crianças dormem na mesma sala onde os contextos acontecem como montar antes? Nesse caso, precisa ser fora da sala, só se o espaço físico da mesma for amplo e permitir. E ainda tem a questão que nem todos dormem ao mesmo tempo e algumas salas têm os fraldários do lado de fora. Problema sempre tem e a gente vai criando estratégias de acordo com o território e realidade do ano, não tem receita, não tem segredo, tem as reais condições que precisamos lidar e fazer o que é possível.


Há a possibilidade do trabalho com o grupo todo, porém o desafio está em manter a curiosidade, o encantamento e o interesse dos bebês e das crianças pelas propostas, a quantidade e a diversidade de materiais, além da qualidade da ação docente: um olhar sensível e ágil ao mesmo tempo, e uma escuta ativa do grupo todo. Ainda tenho algumas dúvidas sobre o trabalho em pequenos grupos de 3/4 crianças por vez, diante da minha realidade, prefiro trabalhar com o grande grupo e planejar um contexto com opções variadas. Que fique claro: fazer tudo junto, não é sinônimo de homogeneidade (se for teremos uma problemática), vai depender de como o docente planeja a proposta. Isso para garantir o direito de igualdade de oportunidades e inclusão de interesses diversificados para todo o grupo com um olhar para o desenvolvimento integral.


Vale dizer que não gosta de trabalhar com o grupo todo, porque não consegue observar as crianças, nem trabalhar no pequeno grupo porque não tem apoio, precisa criar estratégias. O que não dá é para ficar reclamando e não fazer nada.


Pensar os espaços: não há opções de espaço além da sala referência ou a mesma é muito pequena.


Essa questão é uma das mais complexas porque envolve estrutura física. A falta de espaços é real em muitas escolas. Nesse caso, o coletivo de docentes junto com a gestão precisa estudar e consultar a legislação para criar formas de reutilizar os espaços e torná-los flexíveis como, por exemplo, o uso de refeitórios, corredores (sem atrapalhar o trânsito de pessoas) e outros como entrada da escola, jardins e até a saída para praças, por exemplo. Ah, mas não tem natureza, leva a natureza para escola. Habita esse espaço! A escola toda é um contexto de aprendizagem.


"Na educação de bebês e crianças, a sala e o parque, assim como os demais espaços e o território, são considerados como espaços ricos de pesquisa. Por esse motivo, devem ser 'recheados' de artefatos, materiais, brinquedos para as crianças interagirem. Ambas as escolas precisam se organizar como espaços acolhedores para as crianças e procurar materializar os direitos da infância. Para isso, é interessante que os espaços sejam pensados para as crianças e permanentemente reconstruídos a partir dos interesses delas. Nas salas, o chão, as mesas e as paredes devem ser propícios aos trabalhos coletivos e aos registros das histórias vividas pelos grupos, deixando as marcas das crianças. Esses espaços precisam ser instigantes ao brincar, ao investigar, ao aprender." (Currículo da Cidade - EI, 2018, pág. 156)


Já escrevi sobre habitar as paredes das escolas como fonte de valorização, visibilidade, autoria e pertencimento.


Pensar os materiais: só tem material estruturado e plástico na escola.


Outra questão muito comum limitadora que as professoras trazem e eu mesma vivencio é a falta de materiais de qualidade: o excesso de plástico e brinquedos industrializados da cultura consumista. Se planejar os materiais está dentro da intencionalidade e garante os direitos de bebês e criança, há de ser urgente ter materiais de qualidade nas escolas.


Tanto nos Objetivo de Consumo e Produção Sustentáveis (ODS 12) quanto nos Indicadores de Qualidade da Infância Paulistana (item 6) tratam da questão do excesso e exclusividade do uso de materiais de plástico. Não dá apenas para oferecer o que está a disposição, se a disposição não tem o básico para organização de contextos de aprendizagens com as múltiplas linguagens e assim conseguir colocar em prática o trabalho pedagógico exigido e colocado como o direito de aprender no Currículo da Cidade. É preciso providenciar diversidade, materiais multissensoriais e antirracistas na perspectiva de várias culturas. O docente cria situações sem materiais, mas tem limite, chega uma hora que se esgota as possibilidades. E o discurso de sustentabilidade (reuso, reaproveitamento, elementos da natureza) não pode tornar-se desculpa para jogar a responsabilidade no docente e não adquirir materiais porque a compra é muito burocrática, cada um precisa cumprir sua função.


Providenciar materiais e mobiliários são de responsabilidade da gestão, mesmo os naturais e de reuso, são funções da escola oferecê-los, a função dos docentes são outras, mas claro, isso não o impede a tomada de iniciativa em um segundo plano, se possível, como a parceria com as famílias no envio de doações e com empresas do território.


(...) a criança se utiliza do brinquedo, de objetos e da brincadeira para conhecer o mundo que a cerca, constituindo a imaginação e o pensamento abstrato. A falta de recursos para utilizar na brincadeira (brinquedos e materiais de largo alcance) empobrece a experiência da criança. Por isso, quanto mais materiais e recursos disponibilizarmos para as crianças empregarem no universo da brincadeira, maior será a possibilidade para criar a partir desses objetos. (Currículo da Cidade - EI, 2018, pág. 90)


Estude os documentos que regem a Educação Infantil para fundamentar sua solicitação com a gestão, aponte nas avaliações e escreva no diário de bordo, caso esteja limitando seu trabalho. Mas sei que há situações contrárias, onde há muitos materiais de qualidade e nem todos usam, inclusive a falta de cuidado com os mesmos. Há também, docentes como eu, que compram materiais com seus próprios recursos, situação crítica. São grandes problemáticas nesse campo dos materiais.


Pensar o tempo: preciso seguir uma grade de horários imposta ou não consigo tempo de qualidade é sempre uma correria.


Se há algum incômodo em relação ao tempo, normalmente está atrelado a organização dos horários de alimentação ou se sua escola tem uma grade de horários pré-estabelecidos sem a liberdade de transitar pelos espaços, são questões que precisam ser pensadas internamente e discutidas com o grupo todo. Porque tanto de manhã, quanto a tarde precisa haver tempo de qualidade. Nunca vivi essa questão, mas quando me percebo correndo ou com falta de tempo, procuro criar alguma estratégia por conta própria, experimentar e, se for o caso, procurar a coordenação para conversar e verificar alguma possível mudança.


"Quando consideramos os tempos vividos pelos bebês e pelas crianças, é fundamental respeitar os seus ritmos, o seu bem-estar e as suas possibilidades de aprendizagem. É importante não submetê-los ao tempo do relógio, em que todos os momentos da rotina são cronometrados, obedecendo a uma rotina sempre igual, alheia ao inusitado, ao acaso que tantas vezes povoa o dia a dia das crianças. Como afirma Winnicott (1982), trata-se de um tempo em que as crianças tenham uma experiência completa, e não vivências interrompidas a cada momento. Uma experiência pode se iniciar de forma dirigida ou livre, mas quando ela é aberta, permite o acaso, a intensidade, a criação e a construção de significados. O tempo é um articulador da vida, é ele que corta, amarra ou tece a vida individual e social." (Currículo da Cidade - EI, 2018, pág. 134)


A questão tempo precisa ser bem avaliada para observação de qual a problemática, se de fato tem a ver com a organização do tempo da instituição ou se o docente precisa melhorar sua gestão de tempo. Respeitar o ritmo do bebê ou da criança é diferente de deixá-la fazer o que quiser, na hora que quiser, do jeito que quiser, isso é abandoná-la, mas também não se resolve apressando-a, mas é sabendo colocar um limite. Ainda quero escrever sobre esse aspecto no blog. Volto a dizer, a ação docente é imprescindível para educação de bebês e crianças.


Por fim, vale lembrar que o direito a educação é um dever do estado, não basta apenas ofertar espaços de educação infantil, é preciso dar meios para qualificá-los. Promover políticas públicas para tornar acessível o que se coloca na teoria. Garantir a qualidade é compromisso e responsabilidade de todos que atuam com a Educação Infantil, seja na Unidade ou na Administração. Portanto, esse momento de avaliar está chegando e esse é um processo importantíssimo para apontar as problemáticas e como solucioná-las, assim como dar visibilidade e valorização para as potências.


"(...) os Indicadores foram escritos pensando na materialização de direitos às crianças e que, para tal, são necessárias ações de diferentes atores situados em diversas instâncias para que a qualidade do atendimento seja garantida para todas as crianças". (Currículo da Cidade - EI, 2018, pág. 202)


Quero fechar essa breve reflexão com empatia, dizendo que os processos educativos não são simples de serem elaborados, há muita complexidade e, inclusive, a coordenação pedagógica precisa saber lidar com isso e criar um percurso formativo (para si e para o grupo) e de devolutivas reflexivas para avançar; além da consciência de que não viveu na prática essa reinvenção docente, um processo ambíguo, solitário e contraditório (condições de trabalho x exigências x realidade vivida) que precisa de respeito, parceria, escuta e pé no chão.


Aos docentes é preciso tempo de qualidade para reflexão, seleção de fotos e vídeos, interpretação, diálogo com base teórica, ler devolutivas da coordenação, repensar, revisitar, estudar. Isso falando de planejamento, ainda precisamos fazer as narrativas (histórias de aprendizagem/mini histórias ao longo do semestre), os murais, as observações individuais (diárias), o registro de reuniões, as entrevistas, o caderno de passagem e a produção de relatórios. E afirmo com toda a certeza que o importante é fazer e não cruzar os braços, não desistir. Estudar, lutar e cobrar melhores condições! Seguir!


Lembre-se que existe o ideal, o real e o possível!



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