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  • Foto do escritorMarcela Chanan

Bebês pesquisadores e a necessidade de conhecer: experiências com o papel.

Por Marcela Chanan


No mês de outubro de 2021, compartilhei algumas imagens no @culturainfantil com bebês explorando papéis em uma experiência que me surpreendeu e resolvi fazer um breve relato aqui.

Essa proposta aconteceu com o retorno da jornada para os bebês no espaço educativo onde trabalho. Os bebês participantes foram os que já engatinhavam e/ou andavam, eu estava na função de professora módulo, ou seja, não era minha turma e sim uma turma que apoiava ou substituía as professoras com certa frequência. E toda vez que estava no berçário observava bastante os bebês e suas necessidades físicas, emocionais e cognitivas (de investigar, explorar, descobrir, manipular, sentir, conhecer).


Acredito que o bebê é ativo, capaz e competente, que a partir da construção de uma relação respeitosa entre adulto-bebê e com vínculo estabelecido, ele se sente seguro e confiante para explorar o seu entorno. Considerando a iniciativa própria, o brincar e o movimento com liberdade (princípios da abordagem Pikler).


De onde surgiu essa ideia de oferecer um ateliê de papel para os bebês?


A ideia surgiu de dois aspectos: um prático e outro teórico. O prático foi a observação de que os bebês sempre pegavam o papel higiênico para rasgar e experimentar, também rasgavam livros com frequência e até as caixas de papelão oferecidas para brincar. Por essas observações fiquei pensativa na proposta de exploração dos papéis, suas texturas e sensações, pois esse rasgar para mim, naquele momento específico, poderia ter a ver com a necessidade de conhecer as materialidades à sua volta (em meio a tanto plástico oferecido, o papel era um diferencial, mas isso seria outra discussão sobre materiais). No entanto, foi necessário entrelaçar o interesse dos bebês ao currículo e aos saberes construídos pela humanidade. O aspecto teórico está na fundamentação encontrada nos documentos oficiais e em outras referências como as pedagogias da infância, além dos saberes históricos, artísticos e culturais.


Esta proposta teve inspiração na abordagem Reggio Emilia com seus ateliês multissensoriais, no Brincar Heurístico que ensina a olhar para as investigações dos bebês e nos diversos artistas que ampliam nossos saberes sobre os processos e as pesquisas com as múltiplas linguagens, como por exemplo, a artista Bárbara Melo, a ilustradora Renata Bueno e o projeto Segni Mossi (do qual atuo como multiplicadora).


Essa experiência com o papel pode lhe servir de inspiração, mas não para ser reproduzida, precisamos ter vivências no nosso próprio corpo (a importância da formação artística e cultural), ter clareza sobre a intencionalidade pedagógica (que não é objetivo, é saber explicar o porque, o para que, o como), estar sintonizadas com os bebês para que as propostas tenham sentido, lembrando que eles estão no centro do processo educativo e que a professora é protagonista e autora das práticas que propõe revelando um fazer com qualidade.


Antes de criar este contexto já trazia perguntas dentro de mim: participei de quatro treinamentos com o projeto Segni Mossi (eles atuam com crianças a partir de 4 anos e articulam linguagens como dança e desenho) e minha inquietação está relacionada ao desejo de abrir um diálogo dessas práticas com os bebês e crianças bem pequenas. Acredito profundamente nessa possibilidade e aproveitei as entradas nas diversas salas (0 a 3) para observar, experimentar, vivenciar, pesquisar, buscar respostas para as minhas perguntas. De certa forma, satisfazer também a minha necessidade de conhecer.


Alguns pontos que fizeram parte do meu planejamento:

  • o espaço escolhido foi o solário por estar ao ar livre, ser um ambiente vazio, amplo para movimentação e os bebês terem acesso com autonomia pela sala referência;

  • a materialidade dos papéis foi escolhida considerando as características de cada um deles em relação as possibilidades de exploração e descobertas;

  • o tempo foi fluido, após a refeição teriam um longo intervalo até a próxima;

  • a organização do ambiente foi simples, alguns papéis ao chão e outros presos em cilindros. Por que soltos ao chão? Porque no solário venta (os bebês já observavam o balanço das árvores) e os papéis poderiam se movimentar sozinhos;

  • e a observação da interação dos bebês com os materiais, o espaço, o tempo e os outros bebês.

Esses registros revelam um pouquinho das pesquisas dos bebês no ateliê de papel.


No caso do papel laminado, alguns bebês perceberam que a imagem espelhada no papel e passaram a explorar colocando os pés, as mãos, o rosto e corpo todo bem próximo (até deitando, engatinhando e pisando por cima) ao laminado para observar, também perceberam o reflexo na parede quando o sol batia no papel, carregaram o papel para lá e para cá experimentando a gramatura mais resistente, virando o papel e percebendo que outro lado não é igual e sim todo branco, buscaram unir os papéis identificados como iguais, etc.


O papel de seda tem uma gramatura bem fina, por isso é mais maleável, foi amassado, sacudido, rasgado, balançado ao vento...Um bebê passou longo tempo colocando pedaços de seda dentro dos cilindros e observando, outro observou essa ação e aproveitou os pedaços tirados dos cilindros para passar sobre seu rosto, pescoço e experimentar com a boca, já tinha feito as mesmas ações anteriormente com o laminado e parece que o seda o agradou mais, talvez pelas possibilidades de exploração mais agradáveis. Um outro bebê escolheu o papel de seda para levantar, passar o papel atrás da sua cabeça cobrindo seu rosto e repetir essa ação muitas vezes, me lembrou a ação de esconder o rosto com tecido na brincadeira 'Cadê? Achou!', acredito que ele usava esse conhecimento adquirido em outro momento. Depois percebeu o papel laminado próximo e fez a mesma experimentação, porém esse papel se comporta de forma diferente, ele experimenta uma vez e vai em busca de outra coisa. Outro bebê se aproximou dos papéis esvoaçantes e ficou observando os movimentos, três bebês se juntaram perceberam o vento mais forte e correram para brincar com os papéis, pisar em cima e jogar para o alto.


O papel camurça foi menos explorado nessa proposta, talvez por duas materialidades tem sido suficientes ou tão interessantes que se prenderam mais nos outros papéis.


Foi uma proposta muito potente, com certeza a partir daqui desenvolveria um percurso de investigação com os bebês, mas como não era a professora regente/titular, pude apenas proporcionar esta vivência e outras explorações pontuais na sala referência com os papéis que sobraram deste dia, então houve uma pequena continuidade. Também vale a pensa deixar claro que em nenhum momento ensinei como os bebês poderiam explorar os papéis, as ações surgiram das pesquisas deles mesmos, por iniciativa própria e curiosidade por descobrir possibilidades de brincar e interagir com os papéis.


*Todos os direitos autorais das imagens e texto reservados para Marcela Chanan. É proibida sua cópia sem autorização prévia. O compartilhamento da publicação na íntegra diretamente do blog (link e via redes sociais) é livre. Para impressão é obrigatório colocar a referência.


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