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  • Foto do escritorMarcela Chanan

Fazer o quê depois de pintar? Arte e Infância em uma perspectiva contemporânea

Por Marcela Chanan


*O projeto foi premiado no Professor em Destaque da SME-SP, apresentado no VI Seminário EducaPenha, no Seminário Internacional Pequenas Coisas, mas as mais pequenas mesmo!, no Seminário Internacional Infâncias e Pós-colonialismo da Unicamp e no Congresso do SEDIN - Sindicato dos Educadores da Infância, todos em 2022. E em uma live da Divisão de Educação Infantil da SME-SP em 2021.


Tudo começou no início de 2021 com o retorno da jornada presencial, assumi um grupo de Minigrupo II com crianças de 3/4 anos e logo na primeira semana ofereci um contexto com pintura, o grupo se mostrou animado e ansioso por essa possibilidade. Depois da segunda proposta comecei a refletir sobre os indícios que havia observado e escutado e decidi dar continuidade as experiências com a pintura como uma forma de acolher as necessidades, interesses e investigações das crianças. Lembrando que estavam há pelo menos 1 ano em isolamento social.


Iniciamos um percurso com intenções referentes a valorização do ato criativo e a desconstrução de referências estereotipadas afim de contribuir com experiências significativas e autorais. Me senti desafiada a propor um novo repertório de práticas com a arte seguindo na contramão de atividades escolarizadas, descontextualizadas, fragmentadas, sem sentido, totalmente livres e centralizadas no adulto.

Aos poucos cada criança foi percebendo que poderia se expressar como bem quisesse e que todas eram valorizadas, não tinha certo e errado nem feio e bonito. Tinha o prazer da descoberta, da curiosidade e da experimentação, o espanto de apreciar a própria produção. Aproveitei para ampliar algumas das pesquisas individuais para o coletivo, considerando que dentro do coletivo há investigações singulares. As produções eram expostas nas paredes também como forma de (re)habitar a escola, porém havia uma inquietação docente:


O que fazer com tantas pinturas coletivas, apenas expor?

Como ressignificar essas experiências para além das paredes?

Quais aprendizagens poderia ampliar e provocar?


Por essas indagações, certo dia, ofereci a produção do mural para brincar e me encantei com a imaginação infantil: a alegria e a presença do jogo simbólico foi intensa, juntas iniciamos um novo olhar para arte. Portanto, as pinturas foram reaproveitadas e oferecidas novamente às crianças para novas explorações e pesquisas: puderam pintar e desenhar em cima da própria pintura criando camadas, brincar, rasgar e interagir com a própria produção, tornando-a efêmera e tridimensional. Dessa forma foi possível nutrir e qualificar o processo criativo e sensível com novas experiências estéticas. Entre as diversas narrativas infantis as pinturas se transformaram em escorregador, dragão, casa, castelo, sereia, esconderijo, vestido, capa, porta de cabana, piscina, pista de dança, pista de carro, tapete para descanso, tecido para se enrolar etc. Puderam viver a arte com liberdade para se expressar, criar, imaginar e se encantar com as próprias produções.

Todos os contextos (foram 19 no total) aconteceram na perspectiva da experiência da criança como fundamental para uma aprendizagem significativa. Ela aprende por meio de suas interações e atribuição de sentidos, usa seus saberes anteriores para criar novas experiências, cada vez mais complexas e esse movimento criativo é perceptível. Escolhi não apreciar as obras de artistas e sim trabalhar com os conceitos das referências para criar novas experiências com a identidade do grupo. Neste momento de desconstrução, o importante foi conhecer-se, permitir-se, apreciar-se e ter os próprios colegas (crianças) como referência para trocar, criar, pensar juntos.


Enquanto viviam esse percurso com a pintura coletiva, também participavam de outras propostas com desenho, pintura, modelagem com massinha e argila, coleta de elementos da natureza para brincar e usar em criações, leitura de histórias e manipulação de livros, uso de materiais de largo alcance para brincar de construir reduzindo os brinquedos industrializados, exploração do tanque de areia com materiais do cotidiano etc. Portanto, são diversos contextos que valorizam a experimentação, a criação, a expressão, a imaginação e a pesquisa das crianças. A liberdade, o movimento, o brincar e a relação de parceria com o adulto foi fundamental para que cada criança pudesse se mostrar de forma genuína e singular. Escrevi um pouco sobre cada proposta dessa na Revista Magistério (pág. 52).

Trabalhar com a perspectiva da criança no centro do processo educativo, protagonistas de seus percursos é sempre uma aprendizagem de co-construção e parceria entre crianças e docentes. Ter vivido essa experiência me fez ressignificar o planejamento, aprimorou meu olhar para o desenvolvimento integral por meio da escuta e da observação respeitosa, interessada e aberta. O que parecia um projeto de pintura tornou-se uma experiência de conexão entre linguagens: pintar, desenhar, brincar, dançar, rasgar, movimentar, performar. Refleti, abandonei certezas, mudei a rota, aceitei meu não saber, lidei com imprevistos e acreditei na potência infantil. Avancei em minha prática pedagógica.


Pude proporcionar aprendizagens significativas com continuidade, sentido e ludicidade. Senti que o vínculo se fortaleceu a partir da relação adulto-criança no cotidiano e nos momentos que envolvem o antes, o durante e o depois das propostas. Talvez até pela minha reação, alegria e sensibilidade no trato com as crianças, do quanto me sinto realizada ao vê-las ativas, construindo saberes com suas potências e singularidades, construindo sentidos às experiências, produzindo cultura infantil nas interações e brincadeiras; sempre mediando tudo isso com apoio, acolhimento e confiança contribuindo com a construção da identidade e subjetividade de cada uma.


Quebramos barreiras juntas! Uma relação horizontal, com a possibilidade de desapegar da produção (que era maravilhosa) para interagir, atribuir novos sentidos e por fim se desfazer, pois brincavam até ela se acabar.

Essa investigação que têm professora e crianças protagonistas, transformou nossos saberes e impactou o trabalho de professoras e crianças de outros grupos, teve como eixos o brincar e as interações, proporcionou a garantia dos seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento e a articulação dos campos de experiência. Com inspiração na arte contemporânea, orientada pelas concepções de documentos oficiais (DCNEI, BNCC, Currículo da Cidade, PPP) e por minhas próprias experiências com as linguagens da arte. Foi assim que construí junto com as crianças a possibilidade de brincar e criar camadas nas produções inspirada pela arte de Helio Oitica, Lygia Pape, o projeto Segni Mossi do qual já havia iniciado o brincar com desenhos em sessões com crianças no projeto MovimentArte e das manifestações da Cultura Brasileira que são ricas e cheias de linguagens entrelaçadas. Além de conceitos de Dewey, Malaguzzi e minha pesquisa de monografia focada na arte e educação de 0 a 3 anos, na verdade trabalho com a educação pela arte desde o início do meu percurso profissional.


Dei continuidade a minha pesquisa como docente no 2o semestre do ano passado e este ano vivendo novas possibilidades em outros agrupamentos e faixas etárias (1, 2 e 3 anos). Confira as fotos abaixo:

*Esse relato é um recorte da experiência. Tive a oportunidade de apresentá-lo no Congresso do Sindicato dos Educadores da Infância e a gravação foi disponibilizada:

*Todos os direitos autorais das imagens e texto reservados para Marcela Chanan. É proibida sua cópia sem autorização prévia. O compartilhamento da publicação na íntegra diretamente do blog (link e via redes sociais) é livre. Para impressão é obrigatório colocar a referência.


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